-Paródia da escultura de Michelangelo Buonarroti: "David" numa roupagem fast-food.
Mas o que é uma fast-food?
Fast-food, traduz-se literalmente como comida rápida. Mas, por que rápida?
É simples. Trata-se de uma questão de adaptação. A fast-food é uma adaptação tecnológica para a economia de tempo do homem contemporâneo que precisa ser mais do que em todas as épocas ágil e rápido durante as suas refeições. Todavia, muito embora haja uma economia de tempo e acréscimo nas margens de lucro numa sociedade em que tempo é compreendido, tratado e vivido como dinheiro, os restaurantes que fornecem fast-food não são os mais recomendados pelas entidades maiores da saúde o que nos aponta a obesidade, por exemplo, como um dos maiores problemas da saúde pública.
Mas o que isso tem a nos dizer sobre a religiosidade, em especial o cristianismo na contemporaneidade?
A proposta é simples, embora profunda. Para tanto, é interessante lembrar as metáforas da ovelha e do pastor elucidadas por Jesus. Fico a imaginar a figura do pastor conduzindo e guiando suas ovelhas até o pasto melhor e ali as ovelhas poderem se alimentar. De certo que haviam temporadas em que o pasto acabava de modo que o pastor precisava reconduzir seu rebanho para um outro pasto, em um outro lugar. E talvez esse pasto fosse mais longe, mas as ovelhas confiavam que seu pastor era capaz de conduzi-las ao lugar certo a ponto de dizer: "nada me faltará".
Poderíamos agora nos visualizar enquanto ovelhas e rebanho. Imaginem só como seria se diante da escassez de pasto nas redondezas ou na falta de tempo o nosso pastor chegasse ao aprisco com um saco cheio de fast-food? E imagine que ele fizesse isso durante semanas e meses consecutivos de uma tal maneira que nós, o seu rebanho, não precisássemos sair mais para procurar comida e novos pastos?
É especialmente sobre isso que precisamos refletir. Que tipo de alimento tem sido ofertado ao rebanho?
Que tipo de fast-foods são essas que são vendidas ao rebanho? Ultimamente aquilo que outrora era conhecido como frases de efeito têm minado de sobremaneira em redes sociais virtuais. Entre os cristãos presentes nas redes a coisa não é diferente de modo que não é raro você encontrar páginas e comunidades especializadas e fornecer frases de estrelas entre pastores famosos e cantores espetaculares da esfera gospel. Alguns exemplos podem ser mencionados:
"Ninguém pecou tanto que não possa ser perdoado, ninguém se santificou tanto que não precise ser desinfectado"
"Ou faremos dos nossos problemas a tampa do nosso caixão, ou faremos deles degraus que nos levarão um dia ao topo"
"A teologia de alguém só pode ser considerada rasa ou profunda pelo tanto que ela transforma a vida daqueles ao seu redor. Fora isso...Lixo!"
"Já deu comida 3x pro seu corpo hoje, mas ainda não alimentou a sua alma com um capítulo da bíblia# Fail"
Ora, a questão é que frases de efeito são frases de Efeito, elas são espremidas a um ponto de síntese irredutível a fim de serem lidas rapidamente e darem ao leitor uma explicação pronta sobre determinado fato, ocorrência ou dilema interpretativo. Embora as frases de efeito sejam tão bem espremidas e enxutas elas também são elaboradas para atingir e abarcar toda uma generalidade semântica a fim de que seja de alguma maneira suficientemente satisfatória e convincente para quem as lê ou recita. Infelizmente, este tem sido o alimento de muitas ovelhas.
Dentre outras modalidades de gospel fast-foods temos alguns programas televisivos apresentados por evangélicos os quais têm recheado a TV brasileira e os vídeos arquivados em servidores de sites como o Youtube. Por um lado, não é raro você ver pessoas exclamarem no Facebook: "Nossa, como o culto hoje foi abençoado" e logo abaixo postam a foto da sala de suas casas e no centro a televisão que está a transmitir o 'culto', ou a pregação de algum pastor. Por outro lado em uma simples pesquisa você pode encontrar no Youtube, videos curtos de duração média de 5 minutos onde pastores elucidam temas polêmicos dando respostas concisas, sintéticas e geralmente dogmáticas. Trazemos como exemplo vídeos intitulados com os seguintes questionamentos:
-Pastor, posso fazer tatuagem?*
-Pastor, posso gastar o dinheiro do dízimo no motel?
-Um cristão pode ouvir músicas românticas que não sejam cristãs?
-Posso namorar uma pessoa do mundo?(Obs.:Bem, não consigo ver como possibilidade o conhecimento de um alguém, um ser (Dasein) - mesmo que cristão - de outro mundo).
-Pastor, um cristão deve jogar videogame?
-Pastor, como posso ter certeza da minha salvação?
Diz-se dogmáticas porque como mencionado anteriormente, essas porções mágicas de efeito, são tão trinchadas e imprensadas em chapas teológicas particulares que elas não abrem possibilidades de mudança, crítica ou ressalva. Isso se dá porque as frases de efeito, por exemplo, são teses embalsamadas e mumificadas que não abrem espaço para dialética alguma. Não há ponderamento, não a reflexão crítica, não há ressalva, enfim, não há mastigação. A gospel fast-food é feita especialmente para ser engolida, não é atoa que causa uma sensação de 'satisfação' instantânea de pôr no chão e ao sono as ovelhas empachadas. Não se precisa mais do posicionamento ou da opinião do outro, do irmão do lado, do congregar-se, mesmo porque a fast-food basta ao estômago, ou melhor, ao ventre da ovelha sedentária. Tornou-se "suficiente" ter apenas a dose semanal do culto ou preleção transmitida via satélite - não iremos nem adentrar ao dano causado por estas metamorfoses à alteridade no meio intra e inter-cristão.
São suficientemente satisfatórias porque funcionam enquanto suvenirs. O suvenir é uma lembrança que você compra em uma viagem turística e que leva para alguém amado de sua terra natal. Aquele suvenir tem como proposito, simbolizar e abarcar toda uma representação da cultura de um país inteiro. A título de exemplo, uma torre Eiffel, uma Estátua da Liberdade, uma Torre de Pisa. Por fim, um Cristo Redentor. Utilizamos aqui o artigo indefinido porque não se trata da coisa em si, do monumento concreto, mas apenas uma representação dele, uma lembrança( do francês, Suvenir) em miniatura. É sobre isto que concerne a nossa preocupação: a criação de um evangelho de miniatura. "Eu não fui a roma, mas na verdade já não preciso ir porque me trouxeram de lá uma miniatura do coliseu, ou uma camiseta com a imagem de César".
Um fato intrigante é que a pouco tempo atrás iniciou-se no meio evangélico o dizer de que a religião não importava mais, que era uma coisa a ser superada, porque havia chegado o novo tempo, o tempo da graça, do novo testamento. Não obstante ser esse um pensamento e uma compreensão equivocada do que vem a ser religião e de qual é o seu propósito, as mesmas pessoas que atestavam a morte da religião no meio cristão são as mesmas que dogmatizam os dizeres dos ícones** gospel. Esses são os verdadeiros super religiosos travestidos de alternatividade. Na verdade é isso que a gospel fast-food produz: a incapacidade e a impossibilidade do questionamento, da crítica, da inversão ou mesmo de simplesmente uma perspectiva diferente razão pela qual o profeta desabafa: "É proibido pensar"***. O mais triste é que são dogmas, humanos. Daí os dizeres de efeito caem sem paraquedas no Wall do facebook do cristão enquanto ideologia compartilhada, todavia aparecem sem contextualização alguma, flores artificiais de plástico "plantadas" no meio do deserto moderno.
Outro grande perigo da gospel fast-food é este: A ovelha não participa da criação de seu próprio alimento tal como ocorre de fato nesses tipos de restaurantes, excetuando lojas como Subway que trazem uma proposta diferente no preparo dos sanduíches ao deixarem que o cliente escolha os ingredientes, embora de qualquer maneira, tudo já esteja ali pronto à espera dele. A coisa vem de fora e já vem pronta. Não há necessidade de estudar as Sagradas Escrituras, de pensar sobre elas, de realizar o exercício filosófico-espiritual de se questionar sobre o que me é lícito(ou não) e me convém(ou não), o qual tanto nos propôs o apóstolo Paulo. Tornou-se muito mais fácil terceirizar tal tarefa a um ícone de onde emana o saber. Percebam que se trata de questões cotidianas e que as pessoas não conseguem mais se responder tornando-se assim em "Loucos por respostas".Estômagos cheios de respostas alheias e vazios de experiência pessoal. Elas não conseguem mais pensar por si a partir da leitura da bíblia tamanho é o "sedentarismo" de seu pensamento. São ovelhas que deixaram de sair do aprisco por muito tempo e que não conseguem mais acompanhar seu pastor em uma caminhada à procura de pasto saudável de onde resulta uma incapacidade espiritual hermenêutica.
Quando nos debruçamos a perceber a postura de Cristo, entendemos que a todo o momento Ele estava a sacudir as bolsas de respostas já preparadas, não fora atoa que ele instigava a todos:
"E vós quem dizeis que eu sou...?" (Mateus 16:15)
"Estou há tanto tempo convosco e não me tendes conhecido, Filipe?" (João 14:9)
"Que fazes aqui, Elias?" (I Reis 19:13)
"Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes?"(João 21:15)
Questionamentos como estes e em especial este último feito a Pedro, não uma nem duas vezes, invadem a existência humana e bagunçam o quarto de respostas prontas obrigando-nos novamente a nos perguntar a nós mesmos e a também a Deus sobre tudo. Esses questionamentos precisam aparecer em nossas manhãs.
Não estamos a traçar uma apologia de algum evangelho que usa as lentes de um existencialismo radical e cego antes de tudo e em primeiro lugar porque, embora a ovelha se disponha a sair do aprisco para conhecer os caminhos e o mundo à sua frente tal como Abraão o fez, ela precisa confiar na orientação do cajado de seu pastor. Neste aspecto a fé exige de nós tanto o abandonar do sair do aprisco quanto o abandonar-se aos cuidados do pastor.Em segundo lugar não compreende um existencialismo radical e cego porque, se trata de humanidade, ou como diria Sartre, o existencialismo precisa ser um humanismo. Em outras palavras o Reino de Deus se constitui e se faz aqui, com matéria humana, enfim, carne, comu(nidade).
Por fim, a ovelha que acompanha seu pastor, conhece os seus caminhos e as suas veredas, mas também é conduzida através do desconhecido, através do escuro, do vale. São nestas caminhadas e trilhas inéditas que ela aprende de fato a confiar em seu pastor e a esperar pela sua comida. Ela aprende também a separar a comida boa da ruim, a grama verde da grama seca, as fontes de água limpa das fontes de água suja. Ela sai do aprisco. Não é o que tem sido proposto pelo evangelho em miniatura no qual a repetição**** gera gozo mortal e a diferença vira esforço demasiado no qual as pessoas para além de desaprender, perdem a capacidade de caminhar o caminho, que é Cristo.
*A maioria dessas perguntas foram retiradas de um quadro chamado: "Loucos por respostas" facilmente encontradas no Youtube, as outras são de vídeos aleatórios também encontrados no mesmo site. Não citamos aqui o nome dos pastores, porque o propósito do texto não é ridicularizá-los.
** Essa é a modalidade de signo linguístico apropriada, tendo em vista que são signos auto-referentes, coincidem significado e significante)
*** "É proibido pensar" é uma canção composta pelo músico cristão João Alexandre, cuja letra traz elementos para a crítica do pensamento cristão contemporâneo.
**** Ver noção de "Diferença e Repetição" proposta por Gilles Deleuze.
